domingo, 29 de setembro de 2013

E se eu morresse amanhã?

- Tenho medo de acordar qualquer dia desses e ter sessenta anos.
- Falta pouquinho mesmo! Só quarenta anos, três meses e quatro dias!
- Mas é sério. Os dias passam tão rápido e a gente os deixa ir mecanicamente, fazendo sempre a mesma coisa em todos eles. No fim, não vemos nada do mundo. Meu Deus, eu vou morrer sem ver nada do mundo!
- Você me lembra o poema do Drummond.
- Que poema? Ah meu Deus, mais uma coisa que eu ia morrer sem conhecer.
- Aquele 'A Flor e a Náusea'... "Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres, mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem".
- É isso. Eu estou perdendo o mundo. Deixando ele ir embora... Prendendo-me apenas a pequenos fatos, insignificantes diante da grande ordem das coisas.
- Mas a gente ainda é tão novo pra se preocupar com essas coisas...
- Nada... E se eu morrer amanhã?
- Se você morrer amanhã eu prometo que não deixo tocar músicas do Roberto Carlos no seu enterro.
- Caramba, obrigada! Seria demais pra a minha memória! Diz pra mandarem um belo Vinicius de Moraes, um Canto de Ossanha... Se bem que não combina muito com enterros. Melhor, eu vou de 'Encontros e despedidas', que é mais a cara da ocasião.
- Só não garanto falar algumas palavras. Não tenho coragem de falar em público.
- Em público! Quantas pessoas será que teria no meu enterro se eu morresse amanhã?
- Que papo mais medonho! E voltamos aos poemas de novo! "Se eu morrer antes de você, faça-me um favor. Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por Ele haver me levado..."
- Vinicius pega meu coração e espreme como que a um limão.
- A mim também. Sempre acho que ele soube algo da vida que eu ainda não compreendi. Essa coisa meio visceral que existe no que ele escrevia me faz pensar que talvez eu não esteja vivendo com a intensidade que deveria.
- Será que um dia a gente sabe se viveu direitinho ou se desperdiçou uma encarnação fazendo asneiras?
- Talvez antes de morrer... Dizem que passa um filminho na cabeça. Vai ver ele nos ajuda a refletir sobre isso.
- Acho que a gente devia viajar, se encantar com as coisas. É tão importante se encantar com a vida. Sinto falta disso...
- Eu também. Quando eu era criança, a vida era como uma descoberta diária. Tudo me causava êxtase...
- Se amanhã eu acordar com sessenta anos, espero ver algo bem simples e me emocionar. Não quero ser uma dessas pessoas amargas que veem tv e esperam a morte vir buscá-las no colo, já que nem ânimo pra ir sozinhas elas têm.
- Acho que você não vai ser assim.
- Por quê?
- Porque você sorri com os olhos. E sorri de tudo, com uma verdade que eu nunca vi.
- Essa foi a melhor coisa que eu ouvi hoje.

Um comentário:

  1. Tenho medo de acordar qualquer dia desses e ter oitenta anos. Sessenta e nove já tenho, não preciso dizer mais nada. Lágrimas! O texto disse tudo. Parabéns menina!

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