domingo, 22 de setembro de 2013

A pequena

A risada dela tinha o poder de fazer o mundo parar por um segundo. Na verdade, o tempo, que sempre mostrou-se tão cruel, parecia passar muito devagar pra ela... A moça, quase uma menina, levava a vida como se fosse viver pra sempre, desperdiçando o tempo com coisas simples e sem importância.
Conheceram-se no carnaval. Ela dançava ciranda balançando o cabelo cheio de pequenas tranças, enquanto ele passava por ali, a caminho da casa de um amigo. Chovia e ela o notou alguns segundos depois dele percebê-la, e o sorriu. Foi aí que ele aprendeu que o mundo, que girava com tanta pressa, podia parar por alguns momentos. Acabaram sendo apresentados por um amigo em comum e começaram um relacionamento que tinha um quê diferente para cada um dos dois.
Ela divertia-se imensamente com a preocupação dele com coisas sérias. Ele achava fascinante e preocupante o jeito despreocupado dela levar a vida. Ela ensinou-lhe a trançar seus cabelos cor de abóbora e ele desenvolveu o hábito de trazer da rua sempre uma papoula amarela para colocar neles. Adorava a combinação de cores que se formava. Ela gostava de vê-lo com os cabelos grisalhos molhados, como quando se viram pela primeira vez.
Ele sempre fazia muitos planos para os dois. Ela, no entanto, jamais planejava nada. Gostava de ser livre, de andar descalça na areia e com os cabelos soltos ao vento. Ele sorria como quem sempre buscou se encantar com a vida, mas até ali só encontrara desencanto e feiura.
Passavam muito tempo juntos. Por ele, dobrariam o tempo e o guardariam no bolso, para poderem aproveitar a eternidade em paz. Mas ela gostava de usar algum tempo para si. Às vezes vestia-se lindamente, colocava batom vermelho e saía, deixando pra trás um coração de meia idade aflito e complacente. Sempre que isso acontecia, ele pensava se chegaria o dia em que ela não ia mais voltar. E lidar com tamanha liberdade de espírito consumia todo o esforço dele, que jamais havia se dedicado tanto a nada além de papeladas enormes.

A pequena ensinou-lhe a importância de se encantar com a vida. Foi com ela que ele aprendeu a apreciar o gosto de uma laranja recém tirada do pé e a beleza dos acordes de uma bossa. E quando um dia ela não voltou mais, ele soube perceber a beleza das coisas finitas e belas. Quando o tempo parou pra ela sorrir pela última vez, ele percebeu que as coisas podem ser ainda mais belas quando duram apenas o que podem durar. E ele colheu uma papoula no jardim da casa onde foram felizes e colocou nos cabelos dela, pra que eternamente as cores da flor e do alaranjado pudessem contrastar lindamente. 

*Baseado linda música do Chico:
http://www.youtube.com/watch?v=ZRLayH21Gnk&hd=1

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