terça-feira, 30 de abril de 2013

Coração-sertão


Eu possuo um malfadado coração-sertão.

A realidade desse tipo de víscera, digo-lhe, é muito penosa. Falo com conhecimento de causa. Ela não precisa de muitos cuidados de seu dono, está eternamente a mercê das vontades externas. Vive à espera de chuva. Em período de seca parece morta, incapaz de fazer germinar o que quer que seja. No entanto, qualquer chuvinha, um simples sereno, consegue pintar tudo de verde. Um verde vivo, lindo de se ver!

Os corações-sertão possuem um poder de renovação digno da caatinga. É um fenômeno interessantíssimo de se estudar! Acostumaram-se a situações extremas, a passar pela vida com pouco. Contentam-se com o que lhes é dado. Agradecem florescendo o mais rápido que podem. Assim como o bioma que lhes dá nome, os corações-sertão são extremante gratos. Agradecem qualquer afago com vida e beleza de espírito. Apesar de não parecerem, eles são muito férteis.

Entretanto, quando a chuva (ou o afago) não vem, o coração-sertão pinta-se de cinza e fica seco, triste de se ver. Graças à sua incapacidade de fingir, a víscera demonstra claramente tudo o que se passa em seu íntimo. Quando em período de seca, o pobre músculo limita-se a murchar e adormecer... E espera. Espera pacientemente. Um olhador que não o conheça bem é capaz de jurar que ele já não vive. Mas o coração bravamente conserva-se ali, adormecido, embaixo de sol forte, a esperar qualquer pinguinho que o faça germinar. É esperançoso como o sertanejo.

É crime de morte enganar um coração-sertão. Não por ele mesmo, e muito menos por seu dono. O crime reside no fato de enganar quem confia tanto no que lhe é dado. Quem tem esperança demais. Tão acostumado que está em esperar pela chuva e confiar que ela um dia vem, o coitado coração coloca fé em tudo que lhe oferecem, sem garimpar o que lhe faz bem e o que é veneno.
O destino dos corações-sertão não é morrer de sede, mas morrer envenenados pela água que lhes foi presenteada com um sorriso no rosto e um brilho no olhar.

domingo, 28 de abril de 2013

O velho Francisco (Ticô)

Nas histórias, o herói é sempre aquele cara forte, jovem, galã, invencível, que consegue tudo o que quer... No entanto, desde criança, o meu exemplo de heroísmo é algo bem diferente desse estereótipo.
O meu herói tem calos nas mãos e rugas no rosto. Levanta antes do sol, todos os dias, e inicia sua labuta de tratar da terra e fazê-la florescer. É falível, como qualquer humano, mas aprende com os erros e é correto como poucos. É forte, mais bravo que a natureza.
Em seus mais de oitenta anos de caminhada, já viu morte, seca, pobreza, fome, violência... Venceu tudo isso com sua coragem de sertanejo. Desde menino aprendeu a importância do trabalho duro na construção do caráter do homem. Aprendeu na infância a pegar na enxada, plantar seu alimento e arrancar da terra o sustento de cada dia. Ainda jovem viu o pai ser assassinado e tornou-se o homem da casa. Cuidou da família, como faz até hoje...
Não é de muitos sorrisos. Guarda-os para quem os merece. Não gosta de fingimentos e é verdadeiro em cada gesto, olhar e palavra proferida. Há nele tanta serenidade, que consegue me fazer bem apenas com sua presença, em silêncio, ao meu lado.
O meu herói ensinou-me a amar a poesia, amar as histórias. O seu prazer em contá-las me fez perceber que era isso o que eu queria para a minha vida. Com ele aprendi a prezar pelo caráter, pela honra. Ensinou-me que o homem que não tem honra nada possui de belo, apenas de cruel. Me fez aprender na prática o significado de generosidade e grandeza. Mostrou-me que é possível presenciar a maldade humana sem deixar se contagiar por ela. Viu a feiura da vida e conservou a doçura do ser.
Agora, em qualquer lugar do mundo, o nome "Francisco" é conhecido. E quando esse nome é falado, logo o associam ao Papa jesuíta que agora toma a frente da Igreja de Pedro. Porém para mim, por toda a eternidade, o Francisco mais importante do mundo não é Papa, e nunca chegará a ser. Ele é um agricultor que acorda às 3:30h da manhã, dono de um caráter invejável, e profundamente terno em sua rudeza. Um verdadeiro herói. Acho que a palavra ternura vai sempre parecer com as suas mãos calejadas.


*Ao meu avô Francisco, que me ensinou a levar a vida de modo que eu possa me orgulhar dela.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Observações sobre ternura, amizade e jornalismo


José Mauro de Vasconcelos fala que é de pedaço em pedaço em que a gente faz a ternura. Eu sempre achei essa afirmação bonita, porém o Questão de Ordem me fez perceber o quanto de veracidade existe nela. De fato, a ternura a gente constrói aos pouquinhos, juntando os pedacinhos dela, diariamente, até tê-la prontinha no final.
Apesar do sofrimento, estresse, noites mal dormidas e não dormidas, lágrimas, surtadas, desentendimentos e tudo o mais de dificuldades que nós enfrentamos, eu tenho um orgulho gigante em constatar que nós construímos – de pedaço em pedaço - uma ternura forte, grandona e verdadeira. A ternura da gente é mais bonita que a de todo mundo, porque a cola que uniu cada partezinha que a compõe é uma mistura de sonhos em comum, admiração mútua, amizade, trabalho e essa doença (que eu poderia chamar de vocação, mas seria mentira) pelo jornalismo.
Eu vi, no correr desses quase dois meses de QO, cada um de nós crescendo jornalisticamente e trabalhando pra melhorar cada dia mais. Talvez os passos que a gente deu tenham sido pequenos (de formiga), quando observados de fora, mas pra mim, pelo menos, eles significaram muito. A gente aprendeu, com cada erro, a enfrentar as conseqüências dos nossos atos de frente, a apoiar uns aos outros, a não julgar os erros alheios e a ficarmos unidos. Talvez os erros tenham sido a parte mais importante dessa experiência.
Quando eu peguei o meu sonho de escrever, de usar o jornalismo pra tentar ordenar essa loucura diária que eu vejo todos os dias por aí, joguei na mala e parti de casa pra cá, eu não imaginava o quanto ia ser difícil conseguir realizar esse sonho. E nem por um segundo pensei que ia encontrar tanta gente incrível nessa cidade nova, tão diferente e longe da minha, mas com tanta cara de lar. Sem sombra de dúvidas, a universidade me trouxe muitos ganhos intelectuais, mas a parte mais importante e valiosa que ela me deu foram as pessoas que eu encontrei e com quem eu aprendi demais.
Essa experiência serviu pra conhecer mais todos vocês e aprender a admirar as potencialidades de cada um. E mesmo os momentos de choro, desespero, cansaço e doença, serviram pra eu perceber que a gente é mesmo uma equipe e que tem gente do meu lado pra qualquer parada. E agora, na reta final desse trabalho, eu estou muito orgulhosa do quanto eu consegui evoluir, mas principalmente, me orgulha er o crescimento de cada um de vocês. No fim, quando toda essa loucura passar, eu sei que vou sentir falta disso tudo. Afinal de contas, o que vai ser de mim sem conviver quase 24 horas direto com vocês, na mesma casa, tomando café juntos, compartilhando cansaço, sofrimento, desilusões e comidas nada saudáveis? Pelo menos eu sei que a ternura que a gente sofreu tanto pra construir ainda vai estar aqui, pra a gente poder usar e se aproveitar dela.


*Texto dedicado à minha turma (linda e terna) de jornalismo. Queria poder conseguir colocar pelo menos metade de tudo o que eu tenho pra falar aqui, mas no momento, tudo o que eu consegui foi esse texto. 

sábado, 20 de abril de 2013

Sobre o que nos escapa às mãos


A gente nunca consegue dar o devido valor ao que possui. Talvez isso se deva à eterna angústia da condição humana, ou a alguma outra explicação filosófica e complicada que, se eu tomasse conhecimento, acabaria me entristecendo. Hoje senti uma saudade dilacerante de ser criança e conseguir encarar a vida de frente, sem medos. Saudade de cair, me machucar, chorar um pouco e seguir em frente, sem temer novas feridas.
Talvez a grande explicação da vida nos seja dada antes de nascermos e por isso as crianças são assim, felizes. Só que com o tempo e a nossa péssima memória, deixamos essa explicação para trás e começamos a estabanar tudo. Não existe criança triste. E quando digo triste, refiro-me a essa tristeza profunda e espiritual que assola tantos adultos. Na infância a gente se entristece por situações pontuais, mas depois de chorar um pouco, levantamos prontos para outra brincadeira. Temos sempre um sorriso guardado de reserva para usar a qualquer momento.  Vai ver é isso que está faltando nas pessoas, um sorriso guardado no bolso, pra poder recorrer a ele em momentos de emergência.
Hoje, voltando pra casa, acabei levando um banho de chuva e gargalhei sozinha, no meio de uma avenida movimentada. Aquela água toda trouxe consigo muitas lembranças de quando a felicidade era mais fácil de ser encontrada, ou eu sabia procurar melhor por ela. Lembrei-me de como eu gostava de dançar na chuva e sentir os pingos caindo no meu rosto... Era como se a natureza estivesse me enviando um recado, dizendo-me que nem tudo é tão ruim quanto parece e que, se a gente procurar direitinho, encontra beleza em qualquer lugar.
Tudo isso me fez pensar que a criança que eu fui um dia ficaria desapontada em me ver hoje. A felicidade passou pela rua ao lado, acenou pra mim e seguiu em frente, mas eu não corri atrás dela. Tive medo de me machucar, de cair na correria e ralar os joelhos. Tive medo de dar tudo errado e eu ter que voltar pra casa de mãos vazias e com o coração cheio de desilusões. Queria poder voltar atrás, pegar emprestada um pouco daquela coragem de menina e correr o máximo que as minhas pernas agüentarem. Talvez a felicidade tenha parado em algum lugar e, na correria, eu ainda consiga alcançá-la. 

terça-feira, 16 de abril de 2013

Sobre amor, ódio e Jornalismo


Jornalismo bom é feito com amor. Na realidade, é o amor (e a falta dele) que rege toda essa relação de pautas, notícias, entrevistados, deadline, diagramação, artigos, charges e tudo o mais.
Amor pelo jornalismo em si, pela profissão, pelo desconhecido, por aprender coisas novas, pelo café nosso de todas as noites, pelo sentimento de ser capaz de mudar alguma coisa, por ver o trabalho finalizado, pelo nosso nome impresso no jornal, pelo ato de escrever, por ver as pessoas lerem o jornal e gostarem do nosso texto, ou detestarem... Amor pelo desafio de viver um dia diferente do outro e aprender muita coisa que sem o jornalismo a gente jamais aprenderia.
Por outro lado, temos o desamor por nós mesmos. O jornalista, em toda essa relação, é quem mais é deixado de lado. Quando optamos por amar a profissão e tentar fazê-la do melhor jeito possível, acabamos colocando de lado o nosso sono, aquela festa maravilhosa que será substituída por uma coletiva com um político chatíssimo, a família, a pessoa amada, os amigos, a vaidade, a nossa saúde (gastrite, aqui vai mais uma leva de futuros jornalistas!), a ambição financeira... Enfim, a vida acaba sendo regida pela profissão.
Somos levados por uma relação de amor e ódio com o tempo. Por um lado, ele nos traz experiência, conhecimento e destreza na prática da profissão. No entanto, vivemos assombrados pelo fantasma do prazo, que está sempre ali na espreita. É o tempo que nos faz pensar no trabalho 24 horas por dia e sonhar com o editor te dando uma bronca por estourar o prazo. Quem nunca ouviu a seguinte reclamação: “Caramba, você não sabe falar de outra coisa? É só jornalismo o tempo inteiro... Vira o disco!”.
No entanto, apesar de tudo que a gente acaba tendo que passar, o jornalismo ainda é apaixonante. Deve existir nele algo de alucinógeno, que definitivamente causa uma dependência muito maior que todas essas substâncias que alteram a consciência. Como exemplo disso, temos os editores do Questão de Ordem trabalhando religiosamente no domingo à noite (e Dia do Jornalista), cantando aos berros no carro, sorrindo muito e jantando em um restaurante conversando sobre... Jornalismo!

sábado, 13 de abril de 2013

Bilhetinho


Finalmente ouvi a música de que tanto falavas. Adorei. Fiquei a me perguntar se você, ao me falar dela, já sabia que eu iria sorrir ao ouvi-la... Conheces-me tanto assim, ou essa foi uma daquelas coisas aleatórias e belas que sempre nos acontecem?  De uma forma ou de outra, saibas que eu aprecio não só o fato de me conheceres e compreenderes como mais ninguém, como também o absurdo do destino ser teu cúmplice e conspirar sempre a teu favor. Parece-me que ele trabalha ao teu lado para que eu guarde de ti apenas lembranças lindas. A própria palavra “beleza” já parece com teu riso. Mas, voltando à música, saiba que além de me fazer rir, ela fez nascer em mim uma vontade grande de dançar... Danças comigo? Mas eu quero dançar como quando menina, no meio da rua, na chuva, numa roda, sem medo da felicidade. Sem perspectivas de me machucar e rindo do barulho dos pingos caindo ao meu redor. Sabes que chuva sempre me fez sorrir.