Eu possuo um malfadado coração-sertão.
A realidade desse tipo de víscera, digo-lhe, é muito penosa. Falo com conhecimento de causa. Ela não precisa de muitos cuidados de seu dono, está eternamente a mercê das vontades externas. Vive à espera de chuva. Em período de seca parece morta, incapaz de fazer germinar o que quer que seja. No entanto, qualquer chuvinha, um simples sereno, consegue pintar tudo de verde. Um verde vivo, lindo de se ver!
Os corações-sertão possuem um poder de renovação digno da caatinga. É um fenômeno interessantíssimo de se estudar! Acostumaram-se a situações extremas, a passar pela vida com pouco. Contentam-se com o que lhes é dado. Agradecem florescendo o mais rápido que podem. Assim como o bioma que lhes dá nome, os corações-sertão são extremante gratos. Agradecem qualquer afago com vida e beleza de espírito. Apesar de não parecerem, eles são muito férteis.
Entretanto, quando a chuva (ou o afago) não vem, o coração-sertão pinta-se de cinza e fica seco, triste de se ver. Graças à sua incapacidade de fingir, a víscera demonstra claramente tudo o que se passa em seu íntimo. Quando em período de seca, o pobre músculo limita-se a murchar e adormecer... E espera. Espera pacientemente. Um olhador que não o conheça bem é capaz de jurar que ele já não vive. Mas o coração bravamente conserva-se ali, adormecido, embaixo de sol forte, a esperar qualquer pinguinho que o faça germinar. É esperançoso como o sertanejo.
É crime de morte enganar um coração-sertão. Não por ele mesmo, e muito menos por seu dono. O crime reside no fato de enganar quem confia tanto no que lhe é dado. Quem tem esperança demais. Tão acostumado que está em esperar pela chuva e confiar que ela um dia vem, o coitado coração coloca fé em tudo que lhe oferecem, sem garimpar o que lhe faz bem e o que é veneno.
O destino dos corações-sertão não é morrer de sede, mas morrer envenenados pela água que lhes foi presenteada com um sorriso no rosto e um brilho no olhar.