Hoje choveu Passado o dia inteiro. Pra falar a verdade, o Passado veio me
buscar ainda em sonho, soprou um vento gelaaado que me perturbou o sono e tanto
fez que me acordou. Achei que fazendo suas vontades e me pondo de pé ele iria
embora, mas não... O danado grudou em mim que não me largou um minuto.
Não sei se os passados alheios são assim, mas o meu fica mancomunado com
a chuva, faz pacto com o sol e complô com estrela cadente. E hoje ele usou de
todos os seus comparsas pra me tirar o sossego.
Suspeito que até meu coração – traidor por excelência – participou da
palhaçada.
E foi nessa de Passado psicopata e perseguidor que eu me dei conta de pra
onde está indo o meu Presente. Pois não é que o danado parece querer enveredar pelos
mesmos caminhos?! Na certa deve ter ouvido o Passado contar a nossa penosa
história e ficou interessado. Mas, sinceramente, não sei como ele pode se sentir
atraído por essa ideia .. O final da história é triste e o seu correr muito
sangrento. Parece que ele gosta mesmo é de sangue, de violência, de ver o
circo pegar fogo. E sangue alheio não serve não, tem que ser o meu, que tem a
cor do vermelho mais viva.
Depois que fui acordada pelo vento frio que o Passado soprou, o Presente
me pegou pela mão e me levou pra ler um livro. E lá bem pela metade das páginas
estava escrito bem grande “de pedaço em pedaço é que se faz ternura”. O Presente
foi e me apontou a frase com o dedo, mas não precisava pois eu já tinha
lido.
Passei o resto do dia vendo a chuva que caiu sem pausa (obra do Passado
que deve ter pedido isso a ela como pagamento de algum favor) e pensando na tal
frase. Por que será que o Presente fez questão de me mostrá-la? Pensei, pensei
e por fim cheguei a uma conclusão: ele estava se justificando. Se é de pedaço
em pedaço que se faz ternura, então é por isso que eu estou assim tão
incompleta, em carne viva.
O bendito vai costurando a ponto cru os pedaços da ternura pra poder me
juntar inteira no final. Mas ele é relaxado, tranquilão demais, não tem pressa
de terminar o serviço... E enquanto ele não termina, eu vou derramando o meu
sangue que tem o vermelho mais vivo e que ele acha bonito. Ou acha bonito ou tem
inveja da história que ouviu Passado contar e quer fazer melhor, quer derramar
ainda mais sangue e costurar sem correria pros pedaços ficarem bem pregadinhos.
Sei que no fim essa ternura vai me custar uma dor danada e litros e litros de
sangue e vida pra ficar inteira. Cuidado, Presente, se você demora demais a
deixar a ternura prontinha pra a gente usar e abusar dela, pode não dar
tempo... Pode um de nós dois morrer primeiro ou simplesmente desistir do outro.
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