Caro, eu te vi passar voando por aqui mais cedo e o teu semblante meio sorriso, meio aflição me deixou pensativa. Preocupação contigo, talvez... Ou vai ver eu só me reconheci em você.
Hoje acordei resolvida a enfim montar a minha barraquinha aqui na frente de casa pra distribuir felicidade pros necessitados, mas a minha visão de você passando me fez mudar essa resolução para amanhã. Calma, você não me deixou triste! Não sabes que meu sorriso é muito fácil de chegar e minha tristeza vai embora com qualquer assopro de criança?! É verdade, não sabes... Esqueço sempre que você pousou aqui poucas vezes. Mas não te aflijas comigo, tuas aflições já estão de bom tamanho!
Quero que saibas que não és o primeiro pássaro com quem meus caminhos cruzam, outro veio antes de você e me ensinou tudo o que eu sei. Não te apresento a ele porque vocês são demasiado parecidos e acho que não se entenderiam bem. No entanto, sei que no fundo ele não vai se importar se eu te contar o que aprendi sobre a tua espécie.
Já percebi que encontrastes por aí uma flor muito bela (a mais bela de todas, estais a pensar) e que o néctar dela possui um sabor que teu paladar nunca sonhou que pudesse existir. Sei que ela te encantou com seu cheiro, cores, encantos, e que você não consegue ver nenhum atrativo em qualquer outra flor. Isso é natural, todos da tua espécie passam por isso um dia.
Sei ainda que a tua flor é um espinheiro-alvar e imagino que quando fostes polinizá-la algum espinho transpassou teu peito. Posso supor a dor que deves ter sentido e sei que no teu íntimo achas que ela valeu a pena... Pela beleza da flor, pelo seu néctar maravilhoso e pelo sentimento de ter algo tão difícil de conseguir.
Mas meu belo pássaro-sol, é preciso estares ciente que sempre que te aproximares dessa flor serás espetado por um espinho. Quanto tempo podes aguentar isso? Eu temo pelo teu bem estar e por isso escrevo essas linhas.
Peço que não faças como o pássaro da antiga lenda celta que canta até morrer. Não te entregues a esse espinho que te perfura as entranhas apenas pelo encanto dessa flor. Há muita coisa bonita dentro de ti para se perder assim. Se voares mais alguns meses, sei que encontras outra flor tão bonita quanto, ou mais... Nasceste para uma flor que te acolha, que tenha sido feita para ti em delicadeza, tamanho e beleza.
O pássaro celta não tem consciência de que morrerá graças àquele espinho que perfura seu peito e por isso canta até que lhe falte vida para fazê-lo. Porém eu estou aqui para te alertar do teu morrer futuro... Vai embora, pássaro-sol! Se não fores vais morrer aí entre esses galhos selvagens e sem que o mundo conheça a tua beleza.
É este o intuito desta carta, espero que não aches um atrevimento de minha parte. Amanhã vou distribuir felicidade e preciso do meu coração leve, por isso decidi escrever-te. Peço que penses sobre o que aqui escrevi e se achares que tem fundamento, sigas os meus conselhos. Se não, espero que isso não te impeça de voltares à minha janela... Tua companhia faz muito bem ao meu espírito. Aqui me despeço, com votos de que sejas feliz.
P.S. Junto da carta vais achar uma caixinha, há dentro dela três sorrisos meus e um poema de Quintana... Eu sei que não é muito, mas espero que ajude a melhorar o teu semblante.
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