terça-feira, 8 de setembro de 2020

Nina assassina

É tudo culpa da adrenalina, noradrenalina, feniletilamina, dopamina, oxitocina, serotonina e endorfinas. O fato é que essas 'ninas' têm posto a minha vida de ponta cabeça. Espremem o meu coração aos risos, embaralham a minha mente com suas brincadeiras tolas e me fazem sentir uma marionete em suas mãos.
Sei que as 'ninas' não agem sozinhas. É preciso sempre um mandante do crime, um cabeça que lhes diz de que maneira elas devem perturbar a minha paz. 

Sim, sei que você acha exagero chamar de crime, mas é o que me parece. Tenho sofrido por dia pelo menos oito infartos sentimentais. É preciso apenas o cheio, o olhar ou a simples lembrança do mandante para que as 'ninas' ponham-se a trabalhar em sua baderna habitual e façam meu coração ficar apertado e ameaçar parar.

Sei que vais dizer que meu coração é o sujeitinho mais facilmente influenciável do mundo. Vai ver até é. Mas o coitado não o faz de propósito, apenas não é capaz de fazer resistência a uma alma bonita, um sorriso espontâneo e três ou quatro versinhos. Se forem de Quintana, então, está perdido.
E as 'ninas', estas fáceis, entregam-se a qualquer mandantezinho que apareça, sem fazer objeção. Parece até que querem liquidar o meu juízo.

Eita, deixa eu ir ali que tem um samba liiiindo tocando, daqueles que o mandante ama, e as 'ninas' estão me arrastando à força pra lá. Não posso evitar. Não, pera, acho que o mandante está por lá... Não posso vê-lo. Pronto, vi. Meu coração parou.   

8 de dezembro

Lembro que da primeira vez que te vi me senti intimidada pela tua aura intelectual e extrovertida. 

Eu não sabia que dava pra ser as duas coisas ao mesmo tempo. 

A eterna menina do canto da sala ficou encantada com toda aquela luz e inteligência.


Eu sempre tive ganas de te desbravar. 

Queria entender o que passava numa mente que diz coisas tão fascinantes. 

Queria saber como canalizar a minha energia vital esbravejando piadas-cabeça que fazem rir até quem não as entende.

Acima de tudo, queria poder estar mais próxima de ti. Queria poder pra sempre segurar as tuas mãos sedosas entre xícaras de café e pratos de cartola e rir, rir, rir...


Te pesquisei no Google com poucos resultados. Você não deixa rastros virtuais. 

Talvez acabe virando o novo Jayme Ovalle, uma presença silenciosa (ou nem tanto) entre os holofotes, mas muito mais brilhante do que eles.


Descobri que o seu programa na rádio ia ao ar hoje e ouvi pela internet. 

Que vazio de saudade ao te ouvir e sentir que você vive, respira e palpita.

A tua voz me lembrou um passado que enterrei bem fundo.

Eu não queria te enterrar com ele, mas a dor era tanta que precisei deixar tudo pra trás.


Nos últimos tempos me senti visceralmente sozinha e roguei por um amigo.

Então você veio, num sonho, e me fez rir. 

Acordei com um vazio quente no peito, daquela saudade risonha que dói mais do que todas as outras.


Não aguentei, me traí e te escrevi.

Você não sabe quantas lágrimas derramei ao digitar aquelas palavras.

Saíram aos borbotões, como se alguém as ditasse no meu ouvido...


Passei o dia num torpor nem feliz, nem triste.

Um torpor de saudade boa e profunda.

Escrevi essas palavras (que você certamente achará piegas) para desafogar o coração...


Não sei o que passou nos últimos tempos, amigo

A minha memória me falha e agradeço a bondade dela

Me perdoa por algo que disse ou fiz, mas não me lembro.

Dos últimos 10 anos nessa cidade alheia, você foi o único que nunca me feriu

Queria poder retribuir a gentileza.



Érica Rodrigues

08 de setembro de 2020 às 20h52




terça-feira, 14 de julho de 2015

Uma flor nasceu!

 As notícias são tão empolgantes que mal consigo pensar em como introduzi-las. Eu, que falo pelos cotovelos, vejo-me sem encontrar palavras para expressar tudo o que me vem à mente. Não sou dada a rodeios, mas a ocasião é demasiado especial para evitá-los. Há algum tempo que me privo de dar esta boa nova.
Em algum lugar que não sei chegar, entre esses quase 800 mil habitantes dessa cidade que nunca para, há coisa bonita guardada. Há telefonema de longa duração. Há risada fácil e conversas que duram horas. Em algum lugar há brilho nos olhos, lágrimas e palavras de carinho.
Uma flor sorrateira furou o asfalto e venceu a melancolia dos crimes noturnos, dos carros solitários que passam na madrugada. Uma flor, aos poucos e muito lentamente, nasceu. Mas diferente da de Drummond, ela é bela.
E de repente, como que contagiados pela beleza daquela florzinha frágil, todos parecem mais sorridentes. Até os que não sorriem parecem mais felizes. Os feios parecem bonitos e os bonitos parecem a mais bela criação dos céus.
Quando eu menos esperava, a cidade me trouxe novidades. E não achem que exagero, pois as flores raramente florescem onde não devem. Ouvi dizer que os pássaros desistiram de migrar, apenas para ver a bela flor que nasceu aqui.
Infelizmente, eles não a verão. Faz-se necessário guardá-la para sua própria proteção. A sua fragilidade é tamanha que não pode ser exposta. Ouvi dizer que foi guardada sob uma redoma, para evitar que os olhares perversos a façam murchar. Mas eu, que vi a flor nascer, garanto que mesmo secretamente, sua beleza é a mais pura que posso conceber.

domingo, 17 de maio de 2015

Janta

Só podia ser o destino. Desde a forma como as coisas se desenrolaram para que aquelas duas pessoas acabassem juntas, até o par improvável, mas perfeitamente completo, que os dois formavam. Tudo levava a crer que fora o destino, com suas peripércias, que os trouxe até ali.
 À primeira vista, um observador desavisado provavelmente não seria capaz de ver muitos motivos para aquele relacionamento. Afinal, o que aqueles dois tinham em comum? Talvez apenas o encanto por descobrir e compartilhar coisas novas. Mas os dois sabiam que o ponto era esse.
Poderiam conversar por horas sem nunca faltar assunto, pois os seus mundos eram tão diversos e fascinantes que sempre havia experiências a dividir, novidades a contar, coisas a ensinar.
Entre eles não havia aquela disputa própria dos egos jovens, de quando alguém vem cheio de animação compartilhar uma descoberta sensacional, e recebe como resposta apenas aquele tradicional e desinteressado "legal, mas você devia conhecer na verdade isso aqui, pois é maravilhoso!".
Nada além do destino poderia ter reunido aquelas almas afins, tão diferentes e tão perfeitas entre si. Nada além dele, com seu poder supremo, poderia separá-las. Já estava escrito o quanto eles seriam felizes e quantas lágrimas seriam derramadas. E a cada lágrima, restava a dúvida se seria aquele o dia que o destino reservou para separá-los.
Mas hoje, sentados naquela mesa de jantar, com desconhecidos à sua volta, o futuro parecia nebuloso. Olhando assim, ela conseguia ver felicidade a perder de vista, com algumas ocasiões extremamente dolorosas aqui e ali. Mas afinal de contas, o que é a felicidade? Será um sentimento constante e diário, ou a certeza de que somando-se os dias bons e ruins, o saldo nos traz um sorriso nos lábios?
Olhando para ela e seu sorriso fácil, ele não conseguia conceber o que seriam os dias sem aquela presença solar para iluminá-los. A quem iria recorrer depois de um dia estressante de trabalho? Com quem iria conversar todas as noites? Eram perguntas impossíveis de responder.
Mas o garçom traz a janta e os dois engatam em uma conversa animada sobre seus fins de semana e um filme que passou na TV. O futuro, com seu caráter assustador, pode esperar. O destino que se encarregue de guiá-los. A preocupação com a felicidade futura não pode impedi-los de aproveitar a euforia de estarem juntos hoje.





 Destino: do grego, destinare, ou "aquilo que é firmemente estabelecido para uma pessoa".

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

O Círculo: um grande comentário satírico sobre a era da internet



Ganhei o livro "O Círculo", do autor Dave Eggers, de presente de aniversário e confesso que fazia tempo que uma leitura não me surpreendia tanto. O livro foi publicado no Brasil pela editora Companhia das Letras em 2014. A capa é de um laranja bem vivo e traz o nome do autor e do livro em verniz localizado preto, além do símbolo do Círculo em prata. As páginas são amarelas e achei o tamanho da fonte, espaçamentos e diagramação bons. 




Primeiramente, essa foi a primeira distopia que li. A história acontece em um futuro próximo não determinado, e a protagonista, Mae Holland, é uma novata no Círculo, uma empresa que incorporou os principais serviços de internet que conhecemos. Eles reuniram e-mail, conta bancária, redes sociais, serviços de compras online em uma única ferramenta, que cria uma identidade online única e que, por consequência, impossibilita o anonimato. 
O tema da transparência, seja na internet, seja na política, economia, ou até mesmo na vida das pessoas, é extremamente recorrente no livro. A protagonista sai de um emprego público, num lugar onde as pessoas mal sabem como usar a internet, e vai trabalhar no lugar onde "tudo acontece". O campus da empresa é descrito como o lugar dos sonhos de qualquer pessoa, com festas a qualquer hora, dormitórios ricamente equipados, academia, piscina e até mesmo uma "loja" onde os funcionários podem pegar produtos que ainda não foram lançados para testar. E de graça!
As pessoas estão cada vez mais deslumbradas com esse mundo de possibilidades, onde pode-se ter o que quiser, ser o que quiser. E o maior exemplo disso é Mae, que cresce muito rápido na empresa e toma um papel importante rumo ao compartilhamento cada vez maior de informações sobre tudo, inclusive a vida de todos, a todos os momentos. 




Não posso dar spoiler, mas apenas digo que parabéns a Dave Eggers, se a sua intenção era fazer o leitor refletir sobre até onde é saudável o compartilhamento de informações online. 
Digo apenas que tive um acesso de fúria quando terminei de ler o livro (sim, eu sou louca). Apesar do final não ser absolutamente o que eu esperava, acho que a leitura cumpriu sua função de fazer pensar.

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O Bilhete

"Todos os homens voltam para casa. Estão menos livres, mas levam jornais e soletram o mundo, sabendo que o perdem". A moça sozinha, sentada na mesa do canto do restaurante, fez-me lembrar estes versos do poema de Drummond. Em sua visível solidão, ela parece perder absolutamente tudo o que se passa ao seu redor, enquanto mexe desanimada em seu prato de comida italiana. Perco completamente o fio da conversa animada que se passa entre os meus amigos, tão concentrado que estou na moça de expressão triste sentada na mesa do canto.
De minuto em minuto ela larga a sua contemplação da rua, através da janela de vidro, e olha o celular. Não consigo ver o que faz nele, de onde estou sentado, mas imagino que deva estar conferindo as mensagens ou algo do tipo. Ela parece bem ansiosa em sua espera. Imagino se o que faz a moça tão solitária e desanimada é algum caso de amor... Reconheço na sua expressão um pouco de mim, em um recente momento de dor em que perdi um grande amor.
Mal completo o pensamento e ela pega o celular mais uma vez e sorri pra ele, começando a digitar frenteticamente. Imagino que quem fazia a moça tão triste antes, finalmente apareceu. Mas sua alegria parece durar apenas alguns poucos minutos. Depois de digitar freneticamente por um tempo, ela larga o celular na mesa e fixa o olhar, pela janela, na avenida movimentada fora do restaurante. Finjo que vou jogar um copo descartável no lixo apenas para chegar mais perto dela e ver melhor o seu rosto. Não sei o que me causou tanto interesse nela, talvez a sua solidão violenta. Ao me aproximar, percebo que duas lágrimas escorrem em seu rosto.
Resolvo de supetão tomar uma atitude e falo com ela.
"- Moça, boa tarde, posso me sentar aqui?"
Ela apenas limpa os olhos com as costas da mão e me olha surpresa. Sento-me sem permissão, mas ela levanta e me diz, com muita tristeza na voz:
"- Sinto muito, estava esperando alguém que não vai aparecer. Boa tarde..."
E com isso vai embora, deixando-me completamente sem ação. Fico me perguntando porque falei com ela, porque maculei o seu momento tão íntimo de solidão, aparentemente muito necessária. Meu olhar então é atraído por um papelzinho amarelo amassado ao lado do prato, com uma refeição quase completa. Percebo que é um barquinho de papel que foi amassado. Abro sem pensar e vejo que nele há um bilhete escrito em uma letra miúda e bem desenhada.
"Meu bem, muito beijo pra você por ter me tirado da monotonia dos fins de semana. Quase não acredito que vamos nos ver em pleno domingo... Eu não sei se você vai acreditar no que vou dizer, mas acho que te amo."

terça-feira, 29 de abril de 2014

Porque era ela. Porque era ele

Gostava dela porque era ela. Porque era eu. Por mais que eu não soubesse nada das poesias que ela gostava, dos livros que lia ou das músicas que ouvia, de algum jeito torto aquilo tudo fazia muito sentido. A gente se entendia tão bem que parecia coisa que era pra ser. E se fôssemos pensar direito, nada era muito do jeito que devia ser. Havia uma coisinha "fora do lugar" em cada compartimento daquela história. Não tínhamos motivos específicos, algo para servir de desculpa ou explicação. Estava com ela porque era ela. Porque era eu. Se ela fosse menos cabeça dura, talvez eu não gostasse tanto daquele jeitinho que era capaz de me colocar no meu lugar de vez em quando, por mais que ela parecesse frágil demais pra isso. Talvez se não fossem aquelas frases feitas, que sabe-se lá onde ela ia buscar para usar em momentos muito específicos, eu não fosse capaz de ficar tanto tempo contemplando o seu jeito de falar. Talvez se ela não tivesse a mania de corrigir a todos, eu não achasse tão engraçada a forma como ela não conseguia esquecer a gramática nem nos momentos mais inusitados. Talvez se ela gostasse das mesmas músicas que eu, fazê-la cantar algo que eu sei que ela jamais cantaria na frente de outra pessoa não fosse tão deleitante. Talvez se ela não mudasse de humor tão rápido, eu não teria aprendido a apreciar seus sorrisos e a aprender sempre com suas frases cortantes, diretas. Talvez se ela tivesse juízo e não fosse tão aberta a aceitar qualquer loucura que me surgisse à cabeça eu não ficasse tão empolgado com o mundo de possibilidades à nossa frente. Afinal, me divertia com ela porque era ela. Porque era eu.

***


Gostava dele porque era ele. Porque era eu. Não sei como posso encontrar uma explicação mais exata que essa. Não tinha motivos específicos, gostos em comum ou algo do tipo. Eu gostava do seu jeito e ponto. Estava com ele porque era ele. Porque era eu. Talvez se ele soubesse muitas palavras belas para me recitar eu não ficasse tão desarmada com o seu jeito simples de me fazer sorrir. Talvez se ele soubesse tudo de literatura nós não passássemos tantas horas leves conversando sobre coisas que eu não domino absolutamente. Talvez se ele não fosse tão aberto a aprender comigo eu não me divertisse tanto tentando encontrar coisas boas para ensiná-lo. Talvez se ele fosse mais parecido comigo, a gente não tivesse feito tantas loucuras juntos e a nossa encrenca não fosse tão boa. Talvez se ele não se importasse tão mais do que eu com as outras pessoas ao nosso redor, as coisas não já tivessem saído do controle há muito tempo. Talvez se eu não tivesse sido tão mandona a ponto de estipular regras e prazos, eu não tivesse sido a primeira a descumpri-los. Talvez se ele ouvisse Chico Buarque, a gente não tivesse noites tão mais divertidas. Talvez se ele fosse uma coisinha sequer diferente do que é, ou mais parecido comigo, eu não estivesse tão encrencada. Afinal, amava ele porque era ele. Porque era eu.