terça-feira, 29 de abril de 2014

Porque era ela. Porque era ele

Gostava dela porque era ela. Porque era eu. Por mais que eu não soubesse nada das poesias que ela gostava, dos livros que lia ou das músicas que ouvia, de algum jeito torto aquilo tudo fazia muito sentido. A gente se entendia tão bem que parecia coisa que era pra ser. E se fôssemos pensar direito, nada era muito do jeito que devia ser. Havia uma coisinha "fora do lugar" em cada compartimento daquela história. Não tínhamos motivos específicos, algo para servir de desculpa ou explicação. Estava com ela porque era ela. Porque era eu. Se ela fosse menos cabeça dura, talvez eu não gostasse tanto daquele jeitinho que era capaz de me colocar no meu lugar de vez em quando, por mais que ela parecesse frágil demais pra isso. Talvez se não fossem aquelas frases feitas, que sabe-se lá onde ela ia buscar para usar em momentos muito específicos, eu não fosse capaz de ficar tanto tempo contemplando o seu jeito de falar. Talvez se ela não tivesse a mania de corrigir a todos, eu não achasse tão engraçada a forma como ela não conseguia esquecer a gramática nem nos momentos mais inusitados. Talvez se ela gostasse das mesmas músicas que eu, fazê-la cantar algo que eu sei que ela jamais cantaria na frente de outra pessoa não fosse tão deleitante. Talvez se ela não mudasse de humor tão rápido, eu não teria aprendido a apreciar seus sorrisos e a aprender sempre com suas frases cortantes, diretas. Talvez se ela tivesse juízo e não fosse tão aberta a aceitar qualquer loucura que me surgisse à cabeça eu não ficasse tão empolgado com o mundo de possibilidades à nossa frente. Afinal, me divertia com ela porque era ela. Porque era eu.

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Gostava dele porque era ele. Porque era eu. Não sei como posso encontrar uma explicação mais exata que essa. Não tinha motivos específicos, gostos em comum ou algo do tipo. Eu gostava do seu jeito e ponto. Estava com ele porque era ele. Porque era eu. Talvez se ele soubesse muitas palavras belas para me recitar eu não ficasse tão desarmada com o seu jeito simples de me fazer sorrir. Talvez se ele soubesse tudo de literatura nós não passássemos tantas horas leves conversando sobre coisas que eu não domino absolutamente. Talvez se ele não fosse tão aberto a aprender comigo eu não me divertisse tanto tentando encontrar coisas boas para ensiná-lo. Talvez se ele fosse mais parecido comigo, a gente não tivesse feito tantas loucuras juntos e a nossa encrenca não fosse tão boa. Talvez se ele não se importasse tão mais do que eu com as outras pessoas ao nosso redor, as coisas não já tivessem saído do controle há muito tempo. Talvez se eu não tivesse sido tão mandona a ponto de estipular regras e prazos, eu não tivesse sido a primeira a descumpri-los. Talvez se ele ouvisse Chico Buarque, a gente não tivesse noites tão mais divertidas. Talvez se ele fosse uma coisinha sequer diferente do que é, ou mais parecido comigo, eu não estivesse tão encrencada. Afinal, amava ele porque era ele. Porque era eu. 


domingo, 13 de abril de 2014

Sei não...

Na minha frente, um provável futuro músico brilhante me fala de seu interesse por violão clássico e Villa Lobos. Há mais ou menos meia hora ele tem tagarelado, embalado pelo enorme copo de cerveja que segura na mão esquerda. O observei desde que cheguei na festa, e agora cá está ele, falando de seus interesses pra mim.
O engraçado é que não consigo prestar atenção no que ele diz. Quanto mais a conversa passeia por música, literatura, cinema, mais o meu pensamento vaga pra longe, para aquela madrugada na praia, quando sentamos na areia e conversamos algo que eu não lembro o que foi, de tão nervosa que estava com a sua presença. Deve existir qualquer coisa de outra vida nessa sua capacidade de me fazer sentir leve e me divertir. Definitivamente, ninguém mais é capaz de me persuadir a cantar sertanejo ou assistir a um dvd de forró.
Acho que a questão está mais no fato de que me encanta esse teu jeito aberto a aprender comigo, por mais que eu pense que não tenho nada a ensinar. Muito pelo contrário! Eu que tenho aprendido muito contigo. Uma aula diária e completa sobre ser feliz e nivelar a vida por cima.
O primeiro ensinamento que recebi, lá pelos primeiros raios de sol daquela primeira madrugada que passamos conversando, foi que eu ia precisar me preocupar menos com as coisas. Constatei que é inútil viver todos os dias uma rotina certinha, fazendo tudo certinho. A felicidade às vezes é toda erradinha, e a gente precisa aprender a pegar ela pela asa e aproveitar.   
 Liguei o foda-se. E não pense que eu já tinha feito isso antes. Essa ideia era apenas uma teoria que ainda não tinha encontrado o terreno propício pra germinar. Na verdade eu nunca tinha encontrado alguém por quem valesse a pena solenemente ligar o botão foda-se.  Mas agora que aprendi o caminho, não sei como fiquei tanto tempo sem usar desse artifício, sem me divertir como só me divirto quando estou com você.   
Agora não me resta muito a fazer além de aproveitar cada minuto roubado que posso passar contigo. Acho que o futuro é quem sabe onde isso tudo vai parar. E por mais que essa frase seja clichê, é a única certeza que tenho. Deixa o destino dizer quanto tempo de felicidade ainda temos. Já tentei colocar prazos na felicidade e percebi que ela é maior que isso, que ela é maior que a gente.
O provável futuro músico brilhante sorri pra mim, como que concluindo um raciocínio. Sorrio de volta e concordo, apesar de não ter ideia do que ele falou. Preciso ser simpática com ele, afinal a culpa de eu não ter ouvido nenhuma sílaba da conversa é sua, que toma meus pensamentos em tempo integral.