sábado, 1 de dezembro de 2012

Ladrão de amor


Manhãs felizes sempre tinham gosto de abacate. Agradava-se de associar o “humor do dia” aos sabores de que gostava, ou que execrava. Noites maravilhosas tinham sabor de chocolate, tardes bucólicas de café com leite e manhãs chuvosas tinham gosto de aveia. Esquecia muito rápido das tristezas e mais ainda das alegrias. Possuía um humor que se metamorfoseava inúmeras vezes dentro de poucas horas. Era absurdamente simples arrancar-lhe um sorriso frouxo e muito difícil roubar-lhe uma lágrima. Chorava apenas de raiva.
            Em outra vida chorara de decepção. De amor. A vida que levava agora, no entanto, não permitia esse tipo de capricho. Quem rouba amor não deve chorar. Um ladrão nunca deve criar expectativas, deve encarar a vida em sua secura e lambuzar-se com o que conseguir levar dela.
Por vezes, parava para pensar que em sua outra vida acharia muito triste a situação em que se encontrava agora. Roubando afeto, afago e amor... Quem diria! Pensava muito em sua outra vida e sabia que um pouco do seu antigo eu ainda estava ali escondido. Policiava-se quando sentia esperança. Esperança para que? Inútil! Deixara a esperança guardada numa antiga caixinha de biscoitos no guarda-roupa de sua outra vida. Nunca mais voltaria ali para buscá-la, sua nova existência não permitia aquele tipo de sentimento frágil.
Expurgara sua vida de tudo que era frágil. Não devem existir ladrões frágeis. Ladrões de amor, então, muito menos. Agora era forte, botava banca, ia lá, pegava o amor pelos colarinhos e o levava. Usava, se deleitava, aproveitava. Depois voltava pra casa de braços dados com a solidão, companheira de cama e bar.
Odiava frio e domingos. A junção dos dois então lhe causava ânsias. O frio era cruel para gente daquele tipo, solitária, e o domingo melancólico. Fingia, no entanto, que a melancolia nunca havia cruzado a soleira de sua porta. Mentira!
Mentira? E o que era verdade naquela vida de faz de conta? Talvez o frio fosse verdade... Sim, o frio era real! A solidão também... Ela era palpável e sempre presente, só podia ser real. E, por fim, devia ser real aquela vontade que sentia de beijar as costas nuas do amor roubado... Isso sem a menor dúvida era de verdade, afinal de contas a impossibilidade de aquilo acontecer doía demais. Dor é sempre realidade. 

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