No meio do caminho desertei, fui embora para o litoral: onde o verde e a água são mais abundantes que em qualquer sonho de sertanejo. Mas, mesmo longe, não me esqueci da terrinha e da minha admiração por cada homem, no mais honroso sentido da palavra, que conheci no meu sertão. Essa admiração veio desde casa. Minha bisavó materna, quando criança, comeu xique-xique assado na brasa para não morrer de fome em uma seca. Meu avô morou numa gruta de pedra depois que a sua casa pegou fogo. Minha avó vendia galinhas pelos sítios no lombo de um jumento. E com eles eu aprendi a ser forte, a enfrentar as dificuldades da vida de cabeça erguida e a sorrir, sorrir sempre. Afinal de contas assim é o sertanejo.
Quando, como agora, uma seca ataca as terras do sertão, o povo já treinado - que parece nascer sabendo como lidar com a falta d'água - começa a tomar providências para enfrentar a calamidade.
Tristes são as providências.
No caminho do litoral à minha cidade natal, contei mais de vinte carcaças de boi apodrecendo embaixo do sol impiedoso e cercadas de urubus famintos. Tive ainda notícias de que os agricultores estão a matar seus garrotes em casa, antes que estes morram de fome, pois não podem esperar para levá-los a um matadouro. A fila é grande. É muito boi pra morrer. É pouca comida pra alimentá-los. E a carne está cada dia mais barata e o sertanejo cada dia mais pobre.
Semana passada vi na feira uma senhora, já idosa, que trocava perus por sacos de ração pro gado. Tentativa desesperada de salvar as cabeças que ela, tão sofridamente, conseguiu criar e que a seca insiste em querer levar com ela pra debaixo do chão poeirento e pedregoso da caatinga. E quando acabarem os perus, que será do rebanho da senhora?
Não se acham mais ovos de galinha caipira para comprar no sertão. As galinhas não põem, ou ficam doentes, ou bebem os ovos.
Andando pelos sítios, embaixo da poeira vermelha que toma conta da estrada, vez por outra damos com uma porta aberta, um cristão sentado na calçada e um sorriso no rosto.
É sorridente o sertanejo. É feliz. Um forte, como citei a princípio.
Enfrenta a natureza, uma inimiga forte e destinada. Enfrenta a morte, que bate todos os dias à sua porta. Enfrenta Deus e lhe faz pedidos humildes e simples: "- Que chova, Senhor! Que eu tenha o que dar de comer aos meus filhos... Que meu rebanho sobreviva à seca."
Nenhum comentário:
Postar um comentário