sexta-feira, 31 de maio de 2013

Amor-sussurro

Eu sempre achei que pra amar direito a gente precisava fazer barulho, gerar alarde. E fiz assim por muito tempo. Gritei por cima de telhados, publiquei nos jornais e revistas, coloquei anúncios nas rádios e compus canções. 
Mas um dia eu expliquei pra um moço desconhecido o que eu achava do amor e ele riu pra mim e balançou a cabeça negativamente. Não me disse, no entanto, qual era a sua opinião. O moço desconhecido virou um moço conhecido e nunca me falou as suas teorias sobre o amor. Acabei por descobri-las assim mesmo. Ele ama baixinho, como o Quintana mandou. Agora eu vejo que esse é um ótimo jeito de se amar. 
Sofri, chorei e aprendi a amar baixinho também, sem chamar atenção, tranquilamente. É bem menos visceral, mas infinitamente mais seguro e sólido. Esse amor baixinho consegue povoar os meus sonhos todas as noites e preencher os meus sorrisos todos os dias sem levar nenhum pedaço de mim, sem me ferir. 
Eu devia mesmo era ter ouvido o Quintana desde sempre, mas nunca fui boa em ouvir ninguém... 
E chego ao motivo dessas linhas: saudar o amor-sussurro que suturou as minhas feridas, curou-me daqueles terríveis infartos sentimentais e me ensinou o jeito mais lindo de se amar!

domingo, 19 de maio de 2013

A moça e o moço

Ilustração: Érica Rodrigues
A moça do sorriso ensolarado morava sozinha e tinha um gato. Cantava no chuveiro, na chuva, na cozinha. Amava fazer coisas, seja o que fosse. Agradava-lhe o processo de iniciar um trabalho e concluí-lo. Bordava, costurava, pintava, escrevia, compunha, tocava, plantava e produzia (com uma absurda paciência) seus próprios cadernos. Dava-lhes títulos e escrevia neles o que lhe vinha à cabeça. Ouvia discos inteiros à exaustão. Tinha a música como uma aliada, que estava sempre ali para completar os seus dias, a sua luz (que nessa época era fraquinha, fraquinha, coitada...). Mas faltava-lhe sempre alguma coisa, e ela não conseguia imaginar o quê. 
A moça do sorriso ensolarado construiu sua luz aos pouquinhos. Quando ainda não brilhava, dificilmente sorria. Deixava-se levar pela tristeza do mundo e pela maldade dos que julgavam o seu jeito livre, selvagem. Antes de ter luz própria, a moça chorava sozinha todos os dias, como num ritual. E foi aos tropeços que ela conseguiu tomar as rédeas da sua luminosidade e canalizá-la pro mundo. 
Quem trouxe o sol pro sorriso da moça foi o moço da cantiga bonita. Ele chegou num dia gris, trouxe uma begônia laranja e entregou para a moça. E foi então que o sorriso dela ganhou o sol e começou a brilhar mais do que ele. O moço da cantiga bonita nunca mais foi embora. Apesar de sofrer um pouquinho com a selvageria de espírito da sua companheira, ele está sempre ali por ela. O moço entendeu que a amada é livre, é simples e acima de tudo é frágil. E por amá-la em progressão geométrica, incumbiu-se do papel de protegê-la de todas as coisas feias do mundo, de nunca deixá-la chorar novamente. 
E foi assim que a moça do sorriso ensolarado virou uma mulher. E agora não mora mais sozinha com seu gato. O moço da cantiga bonita agora mora com os dois e garante que os dias sejam todos gris e que as begônias estejam sempre floridas. O moço da cantiga bonita toca violão de manhã e faz café. Acorda sempre feliz porque a felicidade é sua amiga. O moço da cantiga bonita pintou a vida de laranja pra combinar com o ensolarado do sorriso daquela pra quem ele compõe. 
E o céu se move bem devagarinho pra ver a felicidade, a cantiga e o sorriso dos dois.