terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Conselho

- Escuta, vem cá! Eu te decifrei! Finalmente compreendi o enigma por trás do teu olhar! 
Quando teu espírito me disse "decifra-me ou devoro-te", eu relutei. Tive medo de me perder nas tuas metáforas (afinal, as minhas já me angustiam por demasiado!) e permiti que me devorastes. 
Fiz o caminho inverso. Usei esse  tempo em que fiquei escondida na penumbra úmida de tuas entranhas para te estudar e compreender. Escutei as batidas do teu coração de dentro, senti tua respiração passar por mim e vi teu sangue correr mais rápido em alguns momentos especiais. Percebi que foste feito para o amor e para a liberdade... E que os dois caminham sempre de mãos dadas inspecionando o funcionamento de todas as tuas células. Não existe soberania de um sobre o outro e a princípio isso me pareceu bom. Com o tempo, porém, comecei a entender a complexidade daquela relação. Teu amor é livre, moço! Não me pertence não... Quando criaram teu espírito o fizeram sem amarras de nenhuma espécie, então quem sou eu pra querer prender teu amor pra mim? 
Devia ter entendido isso logo a princípio. Teus olhos foram leais a mim e avisaram desde sempre, mas eu preferi que me devorastes a ver a verdade que estava ali, bem na minha frente. Essa pureza tímida e alegria contida que demonstras ao me olhar sempre me trouxe dúvidas. Achava que era só comigo que as usava... Doeu, moço, quando percebi que tua natureza é dividir o que tens de bom com todos. 
Decifrei que gostas de se arriscar, de sentir uma ponta de adrenalina vez por outra. Cativas a todos, mas nem todos te cativam. Gostas de jogar pistas a esses que conseguem galgar com sucesso a jornada até teu coração. Por que não falas, moço? Por que não cantas? Por que complicas tudo? Por medo é que não é, pois se teu sorriso espanta todos os meus medos, o que não já terá feito aos teus? 
Tu não serves de inspiração. Não foi pra isso que te criaram. Eu é que sou teimosa e te uso sempre do jeito errado... Mas calma, agora que te decifrei vou tentar fazer direitinho! Fui eu quem nasceu pra ser inspiração. Eu e meus medos loucos, minha alegria inconstante e espalhada, somada a essa paixão pela vida que tenho.  A minha capacidade de fazer tudo ao léu e de qualquer jeito, estabanar as coisas e colocar a vida (colorida) de pernas pro ar. 
Tu, por outro lado, nasceste foi pra pegar a inspiração pela goela e fazer dela arte. Usa essa tua calma pra arrancar sorrisos tortos! Bota o calor dos teus abraços nas palavras! Há tanta prosa e poesia dentro de ti, rapaz, que faz gosto de se ver! Devias botar tudo isso pra fora e seguir teu destino! 
Eu digo isso porque estive no teu íntimo e vi por lá toda sorte de contos, crônicas, sonetos e sextilhas. Bota isso no papel, moço, que o mundo merece ler! Usa o papel como teu aliado sempre. Não precisas de sentimentos fortes pra escrever, nasceste pra amar e pra falar de amor. 
Agora que te decifrei, não faças como a esfinge. Não te mates, que a morte tem pena de te levar. 
Foge de mim, moço! Corre! Vai embora enquanto é tempo! Se ficares ou eu te mato devagarinho ou tu morres por si só. Não penses em mim, não olhes pra trás, apenas corre o máximo que tuas pernas aguentarem.
Meu coração é terra de nascer roseira, até tem qualquer coisa de bela, mas tem espinhos e aguenta muito sol e pouca chuva. Tenho medo que te fures, te machuques ou morras de sede ou calor. Se a gente mistura a minha terra com a tua faz medo não nascer mais nada, faz medo você não vingar. 
Vai logo embora, que eu nasci pra aprisionar e tu para seres livre. 

sábado, 1 de dezembro de 2012

Ladrão de amor


Manhãs felizes sempre tinham gosto de abacate. Agradava-se de associar o “humor do dia” aos sabores de que gostava, ou que execrava. Noites maravilhosas tinham sabor de chocolate, tardes bucólicas de café com leite e manhãs chuvosas tinham gosto de aveia. Esquecia muito rápido das tristezas e mais ainda das alegrias. Possuía um humor que se metamorfoseava inúmeras vezes dentro de poucas horas. Era absurdamente simples arrancar-lhe um sorriso frouxo e muito difícil roubar-lhe uma lágrima. Chorava apenas de raiva.
            Em outra vida chorara de decepção. De amor. A vida que levava agora, no entanto, não permitia esse tipo de capricho. Quem rouba amor não deve chorar. Um ladrão nunca deve criar expectativas, deve encarar a vida em sua secura e lambuzar-se com o que conseguir levar dela.
Por vezes, parava para pensar que em sua outra vida acharia muito triste a situação em que se encontrava agora. Roubando afeto, afago e amor... Quem diria! Pensava muito em sua outra vida e sabia que um pouco do seu antigo eu ainda estava ali escondido. Policiava-se quando sentia esperança. Esperança para que? Inútil! Deixara a esperança guardada numa antiga caixinha de biscoitos no guarda-roupa de sua outra vida. Nunca mais voltaria ali para buscá-la, sua nova existência não permitia aquele tipo de sentimento frágil.
Expurgara sua vida de tudo que era frágil. Não devem existir ladrões frágeis. Ladrões de amor, então, muito menos. Agora era forte, botava banca, ia lá, pegava o amor pelos colarinhos e o levava. Usava, se deleitava, aproveitava. Depois voltava pra casa de braços dados com a solidão, companheira de cama e bar.
Odiava frio e domingos. A junção dos dois então lhe causava ânsias. O frio era cruel para gente daquele tipo, solitária, e o domingo melancólico. Fingia, no entanto, que a melancolia nunca havia cruzado a soleira de sua porta. Mentira!
Mentira? E o que era verdade naquela vida de faz de conta? Talvez o frio fosse verdade... Sim, o frio era real! A solidão também... Ela era palpável e sempre presente, só podia ser real. E, por fim, devia ser real aquela vontade que sentia de beijar as costas nuas do amor roubado... Isso sem a menor dúvida era de verdade, afinal de contas a impossibilidade de aquilo acontecer doía demais. Dor é sempre realidade.