Ela sentou à mesa, olhou para o prato a sua frente, para a taça de vinho
e pensou em como o conceito de felicidade é fugaz. Naquele mesmo dia
experimentou tristeza profunda e um pico de felicidade. Apenas um. Uma
felicidade que tem CPF.
Sorriu - como se quisesse provar ao mundo que mesmo os piores momentos
eram incapazes de ofuscar aquela felicidade de espírito que era dela, e
imaginou como seria aquela noite. Pensou se deveria falar sobre seus problemas
e concluiu que não, se o fizesse certamente iria chorar.
Remexeu com o garfo um pedaço de brócolis na superfície do molho de
macarrão. “Comida congelada, que original!”, pensou. Bebeu um gole do vinho,
comprado sem pensar pela necessidade de um estimulante para enfrentar o resto
daquele dia, e se deu conta de que estava quente... uma porcaria. Olhou pela
milionésima vez para o celular e desejou que ele tocasse novamente, pra que pudesse
sentir a felicidade de ouvir aquele “ei, moça bonita”, com aquela voz rouca que
lhe causava arrepios na espinha.
Como ela seria capaz levar tudo aquilo à frente? Será que crescer era
isso mesmo? Encarar a vida de frente; ver alguns amigos irem embora e saber que
aquilo é o certo; discutir a possibilidade de se filiar a um partido político; encarar
contas e vontades diversas das suas; ter sonhos castrados e ver nos olhos de
pessoas próximas que elas acham o seu projeto de vida inútil e falido. Em que
momento exato foi que ela começou a pensar mais em contas que em poesia? Como
foi que tudo ficou tão pragmático e sem cores? O plano inicial não era aquele,
era infinitamente mais simples... Acordar e sorrir pro sol, regar as flores da
janela e seguir pra a vida com a alma leve. Agora era capaz de sentir o peso do
mundo esmagando a sua alma, diariamente.
As flores morreram, as ilusões se foram, os planos deram errado e o amor
era roubado, clandestino. Uma paródia de vida com alguns sorrisos frouxos e saudações
de “bom dia” a porteiros desconhecidos. Levantou, pegou o prato e a taça e os
levou a pia. Precisava tomar banho, parecer bonita e bem de espírito para
quando a felicidade chegasse.