quinta-feira, 29 de novembro de 2012

I


Ela sentou à mesa, olhou para o prato a sua frente, para a taça de vinho e pensou em como o conceito de felicidade é fugaz. Naquele mesmo dia experimentou tristeza profunda e um pico de felicidade. Apenas um. Uma felicidade que tem CPF.
Sorriu - como se quisesse provar ao mundo que mesmo os piores momentos eram incapazes de ofuscar aquela felicidade de espírito que era dela, e imaginou como seria aquela noite. Pensou se deveria falar sobre seus problemas e concluiu que não, se o fizesse certamente iria chorar.
Remexeu com o garfo um pedaço de brócolis na superfície do molho de macarrão. “Comida congelada, que original!”, pensou. Bebeu um gole do vinho, comprado sem pensar pela necessidade de um estimulante para enfrentar o resto daquele dia, e se deu conta de que estava quente... uma porcaria. Olhou pela milionésima vez para o celular e desejou que ele tocasse novamente, pra que pudesse sentir a felicidade de ouvir aquele “ei, moça bonita”, com aquela voz rouca que lhe causava arrepios na espinha.
Como ela seria capaz levar tudo aquilo à frente? Será que crescer era isso mesmo? Encarar a vida de frente; ver alguns amigos irem embora e saber que aquilo é o certo; discutir a possibilidade de se filiar a um partido político; encarar contas e vontades diversas das suas; ter sonhos castrados e ver nos olhos de pessoas próximas que elas acham o seu projeto de vida inútil e falido. Em que momento exato foi que ela começou a pensar mais em contas que em poesia? Como foi que tudo ficou tão pragmático e sem cores? O plano inicial não era aquele, era infinitamente mais simples... Acordar e sorrir pro sol, regar as flores da janela e seguir pra a vida com a alma leve. Agora era capaz de sentir o peso do mundo esmagando a sua alma, diariamente.
As flores morreram, as ilusões se foram, os planos deram errado e o amor era roubado, clandestino. Uma paródia de vida com alguns sorrisos frouxos e saudações de “bom dia” a porteiros desconhecidos. Levantou, pegou o prato e a taça e os levou a pia. Precisava tomar banho, parecer bonita e bem de espírito para quando a felicidade chegasse.