Bia Cagliani estuda teatro, dança e
música desde criança, porém a partir dos 12 anos passou a encarar a arte como
profissão. Estudou Ballet Clássico e Dança Contemporânea sob a orientação da
coreógrafa Rosa Cagliani e, mais tarde, com Canízio Vitório. No teatro foi
aluna de Valeska Picado, Cristóvam Tadeu e Débora Zambón. Bacharel em Ciências Sociais
pela UFPB (2005), obteve também o título de Especialista em Representação Teatral
pela mesma instituição (2009). É integrante do grupo Deuzeruora Vamimbora
(teatro) e ACena (dança) e dirige o grupo Turma do Meio (teatro).
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Foto: Luana Lima |
O meu primeiro contato com Bia se deu
por meio da peça “Através do Espelho – Viagens de Lewis Carrol sobre as
aventuras de Alice”, da Turma do Meio. Eu precisava fazer um ensaio fotográfico
para a matéria de Fotojornalismo na universidade e vi nos corredores do Decom
um cartaz da peça, o que me deu a idéia de fotografá-la. Cheguei em casa e fui
pesquisar na internet sobre o grupo de teatro e acabei encontrando a página deles no
facebook. Dentre os integrantes, e por algum motivo desconhecido, resolvi falar
com Bia, mesmo sem saber que era ela a diretora da Turma. A conheci momentos
antes da estréia da peça e me deparei com uma moça simpática e de uma
personalidade bem definida que pode ser percebida até pelos que, como eu, não a
conhecem. Numa correria danada ela
organizava o cenário.
O espetáculo me deixou encantada... A
beleza dos figurinos, a produção e especialmente a competentíssima atuação dos
atores me fez ter mais uma vez a certeza de que a Paraíba possui tesouros que
nem ao menos conhece. Assisti “Através do Espelho” duas vezes e nos dias em que
a peça ficou em cartaz tentei veementemente convencer o maior número possível
de pessoas do meu ciclo de amizades a ir ver o espetáculo. A Turma do Meio, sob
direção de Bia, monta agora um trabalho chamado Milk-Shakespeare, em cujo texto
vários personagens e tramas shakespereanos se entrelaçam. A idéia é que o
espetáculo seja apresentado na rua, de modo que as músicas serão executadas ao
vivo. Algumas foram canções compostas originalmente, outras são de saber
popular e também em homenagem a Luiz Gonzaga.
De onde veio a idéia do espetáculo Milk-Shakespeare?
Milk-Shakespeare nasceu no fim de 2007 a partir de um
exercício da sala de aula onde o ponto de partida eram homenagens a célebres
nomes ou cenas das artes (dança, teatro, música e cinema) para um festival de
encerramento da Fazendo Arte. A Turma escolheu, não lembro se por sugestão
minha ou de outro integrante, homenagear William Shakespeare. Fizemos um estudo
de diversas peças do autor inglês, discutimos o roteiro básico e depois
começamos a mesclar os diálogos originais das tramas para criar nossa própria
história de Romeu e Julieta. A primeira apresentação ocorreu em dezembro do
mesmo ano. Na época, André Honor, Ali Cagliani, Lara Torrezan e Mariah Benaglia
ajudaram a pesquisar e criar tudo. Ainda contamos com Guilherme Honorato que
participou da criação dramatúrgica, mas não chegou a integrar a encenação. O
projeto ficou parado, meio que esperando a hora certa de reaparecer. No começo
deste ano estávamos precisando dar uma revitalizada no grupo e pensei que
trazer de volta o projeto de Milk-Shakespeare seria uma boa. Eu confesso que
estava com várias idéias loucas e precisando colocá-las em prática. O elenco é bem
disposto e entra em todas as minhas loucuras. Milk-Shakespeare saiu do formato
mais convencional do palco italiano e agora vai para as ruas. Está sendo todo
revisto, da dramaturgia à encenação. É outra peça, outra cara, outra energia!
Estamos todos muito empolgados!
Quem é o elenco do espetáculo?
O elenco é formado por Ali Cagliani,
Diógenes Ferraz, Mariah Benaglia, Marilia Alcoforado, Rodolfo Marques e Thayná
Peixoto.
Para quando está prevista a estréia?
Ainda estamos em processo de
montagem. A idéia é que façamos ensaios abertos para testar algumas coisas.
Pensamos que na segunda quinzena de junho já vai estar tudo pronto pra
começarmos estes ensaios. A estréia em si é difícil precisar, provavelmente em
algum evento do Varadouro Cultural ou do Coletivo Sanhauá.
Quais são os maiores obstáculos que vocês estão enfrentando nesse projeto
novo?
O maior obstáculo é pensar a peça pra
rua. Nunca fizemos isso. Eu já participei de performances e experimentos para
espaços alternativos, mas nunca para a rua. Não teremos cenário ou estrutura de
espetáculo. A proposta é chegar num espaço aberto e ir abrindo caminho,
chamando a atenção, cativando o olhar apenas com a história e com a encenação.
Isso é muito mais complicado do que simplesmente levar um cenário, um equipamento
de luz e som e fazer um espetáculo NA rua! Por isso estamos pensando nesses
ensaio abertos não divulgados. Tem muita coisa que queremos testar e
experimentar e só podemos fazer isso com o público que queremos atingir, isto
é, todo mundo que estiver passando!
Como vocês conseguiram unir a música de Luiz Gonzaga e a obra de
Shakespeare?
Na verdade foi por acaso. Eu só
trabalho com música tocando. Um dia calhou de estar ouvindo Luiz Gonzaga e eu
pensei: essa música tem tudo a ver com a cena tal! Mandei direto pro e-mail do
elenco propondo acrescentarmos na cena. Eles toparam e aí está a mistura: Luiz
Gonzaga e William Shakespeare!
Como surgiu a Turma do Meio?
Bom, a Turma do Meio surgiu como
literalmente o nome diz. Era a turma do meio do curso de teatro da Fazendo
Arte. Haviam as crianças, os jovens e os adolescentes começaram a chamar sua
turma de Turma do Meio, isso antes mesmo do grupo virar realmente um grupo.
Como em todo curso da escola eles produziram bastante coisa, esquetes, pequenos
espetáculos, performances... Mas eu particularmente considero 2008 a virada da Turma.
Começamos a produzir o show-espetáculo do músico Erick de Almeida e a partir
daí foi tudo se consolidado enquanto grupo que tenta ser profissional.
O papel de diretora me cai melhor na
Turma do Meio... Me reservo a atuar em outros espetáculos da Fazendo Arte como
Deuzeruora e no Acena. Essa história de dirigir e atuar no mesmo espetáculo é
pra quem tem múltiplas personalidades e, apesar de ser geminiana, não sei ainda
assoviar e chupar cana! (risos)
Quanto tempo, em geral, se passa desde quando um projeto como o
Milk-Shakespeare, por exemplo, é pensado e a estréia? Quais são as etapas pelas
quais ele passa?
Isso vai depender muito do projeto.
"Milk-Shakespeare" e "Etcétera e Reticências" foi bem mais
simples e rápido do que "Através do Espelho", por exemplo. Os três
tiveram as mesmas etapas, porém com tempo de duração distinto. Na Turma do Meio
começamos sempre com a parte de pesquisa. Depois a gente começa a brincar de
criar, a jogar, improvisar. A partir daí umas idéias vão surgindo e vai se
formatando mais na minha cabeça o conceito do trabalho. Procuro sempre discutir
tudo com o elenco e com os outros integrantes do projeto. Gosto dessa coisa de
processo coletivo, colaborativo, onde todo mundo da idéia e tem aquele momento
de caos criativo de mil brainstorms! A partir daí vem a parte de fixar o que
deu certo e ir testando e experimento o que não deu. E quando você estréia
ainda há chances de descobrir muitas coisas que nunca tinha percebido ou que
poderiam ter uma saída melhor.
A Fazendo Arte é um projeto da sua mãe... Como ele começou e desde quando
você e os seus irmãos estão à frente dele?
O projeto da fazendo Arte começou
entre 1994 e 1995, na ocasião da construção do Teatro Ednaldo do Egypto. Minha
mãe, Rosa Cagliani, e meu pai, Carlos Anísio eram parceiros do ator e
teatrólogo Ednaldo na construção e elaboração da ideia do teatro. Minha mãe ficaria
a cargo da parte de dança e lá montou uma sala de aula bem bacana. E assim
começou a escola em 1995... A Fazendo Arte veio primeiramente como uma colônia
de férias e no ano seguinte virou o nome da escola de teatro e dança. Com o
passar do tempo saímos do Teatro e fomos para uma sede própria. A idéia da
minha mãe era abrir um espaço onde crianças e jovens pudessem aprender a criar
artisticamente e assim foi tocando o barco por mais de dez anos.
Em 28 de abril de 2008 minha mãe
acabou falecendo. Ela ia completar 51 anos em dezembro e o problema no coração
foi algo bem de repente. Ela passou mal numa madrugada, durante o dia ela fez
cirurgia e na noite seguinte morreu. “Mainha” era uma daquelas figuras que
conquistavam todo mundo rapidamente, e ela considerava (e tratava) a todos como
se fossem filhos dela! Enfim... No meio daquela comoção toda de morte, velório,
enterro, homenagens, a gente conseguiu reunir a família (eu, minha irmã Ali e
meu irmão Caio) e os professores da escola na época (Canízio Vitório, Luana
Lima, Nana Vianna, Valeska Picado, e mais alguns colaboradores) para discutir a
viabilidade de continuarmos projeto da Fazendo Arte, que agora já havia
crescido, abrigando além das aulas de dança e teatro, outras linguagens como o
circo e a música e ainda grupos de teatro e dança (Deuzeruora Vamimbora e Turma
do Meio, no teatro, e Acena Dança e Ensaio Cia de DançaTeatro, na dança).
Decidimos então assumir tudo, dividimos tarefas e passamos o ano tentando
aprender tudo. Já os anos seguintes foram mais fáceis. Com o passar do tempo a
gente vai pegando o jeito da coisa!
A Fazendo Arte tem vários projetos paralelos, não é? Quais são eles?
Como falei antes, a Fazendo Arte
começou apenas como uma escola. Haviam aulas de teatro e balé clássico para
crianças, adolescentes, jovens e adultos. Depois entrou a dança contemporânea,
o jazz, o circo e a música. Os alunos antigos iam se solidificando e com o
passar dos anos ia aparecendo neles a necessidade de formar grupos mais fixos.
O Deuzeruora Vamimbora foi o primeiro em 2001, depois surgiu o ACena Dança em
2003 e a Turma do Meio já em 2008. Outros grupos se formaram com o passar dos
anos, porém não a partir de turmas já existentes na escola tais como o
Alienígenas (música), Engenho Imaginário (teatro) e Ensaio Cia de DançaTeatro
(dança).
Além dos grupos, a Fazendo Arte -
Teatro e Dança integra o Coletivo Sanhauá. Inicialmente era apenas um
colaborador e desde 2011 participa ativamente das reuniões, projetos e
produções do Coletivo. O Sanhauá, diferentemente dos coletivos atuantes na
cidade, trabalha com a multilinguagem. Temos designers, produtores, músicos,
atores, bailarinos, grupos de dança, de teatro, bandas, cineastas... De tudo um
pouco! Além de tudo a gente da Fazendo Arte (eu e os integrantes dos grupos)
podemos realizar uma parte da escola que nunca tínhamos “tido perna pra
alcançar”: a dos projetos sociais. O Coletivo junto com a Fundação Casa de
Cultura Cia. da Terra promovem um projeto de educação patrimonial chamado Subindo a Ladeira junto com professores
e alunos da UFPB, visando dar visibilidade e voz à população do Porto do Capim.
Em consequência de participar do
Coletivo Sanhauá, a Fazendo Arte acaba integrando também o Varadouro Cultural,
movimento de grupos, coletivos e artistas da sociedade civil que busca dar
visibilidade às produções do centro histórico da cidade.
Como surgiu o projeto de “Através do Espelho”?
No fim 2007 o grupo estava procurando
um novo projeto. Cada um saiu lançando idéia. E numa votação a escolha foi
"Alice no país das maravilhas". No comecinho do ano seguinte tínhamos
já uma agenda fechadinha com o show-espetáculo "Etcétera e
Reticências". Preparamos um estudo de mais de um ano dos dois livros. Toda
semana líamos um capítulo e discutíamos o que era interessante, trocávamos
idéias... Foi um processo bem longo, principalmente pelo fato da Turma só se
reunir uma vez por semana. No fim de 2010 submetemos ao edital do FMC (Fundo
Municipal de Cultura) e fomos aprovados. Recebemos um patrocínio bacana que nos
possibilitou viajar um pouco mais. Fizemos figurino específico, músicas
originais, cenário... Em 2011 foi a primeira temporada. Foi bem bacana, mas
percebemos que havíamos deixado passar muita coisa e programamos para acertar
tudo em 2012. Porém parte do elenco não pôde mais continuar no trabalho por
diversos motivos, portanto deixamos em stand by neste primeiro semestre. No fim
do ano voltamos aos trabalhos de "Através do Espelho" com força
total.
Como se deu o projeto das Oficinas de “Através do Espelho”? Elas foram
uma conseqüência do espetáculo ou já foram pensadas desde o início do projeto?
Qual foi o saldo dessas oficinas?
As oficinas foram pensadas
especificamente para o edital do FMC. Existe a exigência de realizar uma
contrapartida social, fato que achamos totalmente válido, afinal estamos usando
dinheiro público para produzir o espetáculo! Enquanto discutíamos o formato do
projeto a ser apresentado, chegamos à conclusão que oficinas seriam muito mais
proveitosas para o público do que simplesmente cedermos apresentações que
provavelmente poucas pessoas iriam assistir.
O saldo foi o melhor possível. Todas
as três oficinas foram ministradas gratuitamente para o público em geral por
integrantes da Turma do Meio com uma média de 15 participantes cada. Conhecemos
muita gente interessante e interessada em arte. Foi uma troca magnífica. Inclusive nosso
mais novo integrante veio delas! Também convidamos outras pessoas, mas por
motivo de tempo não puderam se juntar a nós.
A veia artística é algo bem explícito na sua família. Você já pensou em
seguir outra carreira?
Na verdade ser artista é algo natural
na minha família. Minha mãe era bailarina, coreógrafa, diretora, iluminadora,
etc, etc... Meu pai é músico, maestro, arranjador, etc, etc... Minha irmã é
atriz, cantora, bailarina, iluminadora... Meu irmão é ator, estudante de
cinema... Eu sou também um monte de coisas... Acho que pensar em fazer outra
coisa eu já pensei. Algo do tipo: como seria minha vida se eu não fizesse o que
eu faço? Até enveredei por outras áreas na época da faculdade. Sou formada em Ciências Sociais
pela UFPB. Mas mesmo assim pesquisei sobre cinema na minha monografia! (risos)
Acho que não havia escapatória! É uma vida árdua, trabalhosa, cheia de
percalços, mas divertida, colorida e inusitada. Vou parar de fazer propaganda
senão todo mundo vai querer ser artista e não vai sobrar lugar pra mim! (risos)
Pra você, qual é o maior desafio de se fazer teatro na Paraíba?
O maior desafio é se sustentar disso.
Não tem como ser artista profissional! Não falo só de teatro, mas também de
dança, música, artes plásticas, cinema, fotografia... Ser artista na Paraíba é
batalhar 24h por dia, 7 dias por semana, 365 dias no ano, sem folga, férias ou
feriado e ainda viver no aperto, pois num mês a gente fica "rico" e
no outro não ganha um centavo. O público não dá valor, as empresas não
apóiam... É complicado competir com a TV, com as produções de fora do estado e
com as comédias baixo nível que são as únicas que lotam os teatros da cidade e
do estado! Acho que deve ser por isso que todo artista tem um quê de louco! Não
tem como ser são e topar enfrentar tudo isso rindo e de bom humor (risos).
Confesso que prefiro muito mais ser louca a ser sã se para possuir esta tal
estabilidade eu tiver que trabalhar num banco ou fazer algum concurso para uma
área que não me interessa em nada!